quinta-feira, 11 de junho de 2009

O azarão

Tinha dado tudo errado de novo. O assalto foi um fiasco. A loja não tinha grana, o carro da fuga quebrou, o motorista da quadrilha fugiu a pé e os “meganha” cercaram o quarteirão em questão de segundos. Parecia até que tinham sido avisados antes. Mas não foram. Era maré de azar mesmo. Jair, quando se viu encurralado no beco, com um “três oitão” enferrujado na mão e na mira de um monte de policiais apontando as ponto 40 e as “metranca”, já sabia que a “casa tinha caído”. Não dava pra resistir.

Um mês antes ele tinha conseguido fugir da cadeia, durante um motim. “Tava” nesta vida desde que era “de menor”, quando começou a fumar maconha e furtar carros para depenar. Depois foi se aprimorando no mundo do crime, mas parecia que uma coruja tinha cagado na cabeça dele. A grande maioria de seus roubos não dava certo. Passava mais tempo na prisão do que na rua.

Antes as cadeias ainda eram mais suportáveis. Tinha espaço nas celas, banho uma vez por semana, dava pra ir à privada quando quisesse, e a comida era razoável. Mas parece que todo mundo resolveu virar bandido e as celas foram ficando entupidas de gente. Gente não, de bicho, porque o tratamento começou a ficar pior do que o que é dado aos porcos em chiqueiros. Os bichos ainda podem chafurdar na lama, os presos nem isso.

Em segundos, como se fosse um filme, tudo passou pela cabeça de Jair. Não que ele quisesse um tratamento de luxo na prisão. Afinal era marginal e marginal tem que penar! Mas um pouco de humanidade também não iria fazer mal a ninguém. Na cela, onde deveriam ter oito homens, amontoavam-se 30 ou 40. Não perguntem como, pois nem ele sabia explicar. Pra dormir era na base do revezamento. Uns deitavam, outros ficavam de pé. E tinha nego que já tinha até aprendido a dormir em pé, como cavalo. Coisa de louco. Urinar, só nas garrafas pet, porque não tinha sistema de esgoto que não estourasse com todo aquele povaréu. O resto então, só se podia fazer quando os “polícia” tinham tempo e boa vontade de abrir o xadrez pra deixar a turma se aliviar.

O cheiro era insuportável. Misturava chulé com sovaco, suor, cigarro, pum, arroto e sabe Deus mais o quê. Piolho e doença de pele eram tão comuns que ninguém mais ligava. O pessoal só ficava com a pulga atrás da orelha quando aparecia um com alguma peste diferente. Ninguém queria morrer na cadeia, principalmente de doença.

Se aquilo tudo não era o inferno, com certeza era o purgatório, como tinha ouvido falar em algumas aulas de catecismo que freqüentou quando ainda era bem menino. Duro pensar em voltar pra lá. Ainda mais agora que já tinha se acostumado com a luz do sol, coisa que ficou anos sem ver. Sua pele, que estava em tom esverdeado, já havia até recuperado um pouquinho da cor.

Ia ter que puxar um montão de cadeia, ainda mais depois da fuga. A situação ia ficar cada vez pior. O grito de um policial mandando baixar a arma o fez retornar à realidade. Tinha pelo menos uma chance de escolha. Ou voltar para a cela ou dar um basta em tudo aquilo. Queria pensar rápido, estava sob pressão. Mais viaturas se aproximavam, as sirenes dos carros o atordoavam e o suor lhe empapava as roupas que tinha conseguido furtar, dias antes, de um empório de bacanas. Era agora ou nunca!

Voltou seu rosto para o sol, para admirá-lo pela última vez. Apontou o “três oitão” pra cabeça e puxou o gatilho.

Jair só foi acordar horas depois, no hospital, algemado na maca. A munição velha que tinha no revólver serviu somente para provocar um ferimento leve. Iria sobreviver e amargar mais alguns longos anos de “cana”. “Baita azar”, pensou, conformado com seu destino.

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