terça-feira, 29 de junho de 2010

Jornais

Os jornais são, em parte, dos seus donos – a imprensa pertence à democracia

Quanto a isso, a pergunta mais freqüente dos defensores de governos é bem direta: o governo tem como entrar nesse debate, no interior da imprensa, sem sofrer restrições? O que muitos temem é que as direções dos veículos direcionem em demasia o fluxo das informações e das opiniões. Imagina-se que, na medida em que jornais e emissoras são dirigidos por interesses privados, o que é um fato, tudo o mais resulta prejudicado, sob a primazia desses mesmos interesses. O diagnóstico, no plano imediato, é correto, mas as conclusões é que são prejudicadas.

A instituição da imprensa é mais larga, mais alta e mais profunda do que o regime de propriedade que pesa sobre a maior parte dos meios de comunicação. A dinâmica da cidadania, para a própria saúde comercial dos bons veículos, fala neles com mais força do que os interesses privados. O ponto que define a clivagem não se encontra no interior das instâncias decisórias, particulares, de cada publicação, mas reside, antes, no dinamismo natural da própria democracia. É isso que explica os deslocamentos ideológicos que cada um dos veículos jornalísticos sofre de tempos em tempos.

Esses veículos são mais permeáveis aos imperativos da democracia do que a própria democracia é permeável aos interesses corporativos, por mais que, em várias ocasiões, estes se insurjam como ameaças. Jornais, revistas e emissoras têm donos privados, mas esses não têm poder absoluto sobre a pauta e sobre o noticiário. Precisam, no mínimo, "negociar" diariamente suas próprias inclinações políticas com a evidência dos fatos. Eles são donos dos veículos, mas não têm como ser donos das notícias.

Com a emergência das redes interconectadas, essa verdade se manifesta com eficácia ainda maior. Hoje, as manipulações têm durabilidade mais breve – e o preço para quem as comete tende a subir. Em contrapartida, as discussões recorrentes e cada vez mais comuns sobre a qualidade do jornalismo, em seus vários níveis, convertem-se em serviço de utilidade pública. Os questionamentos da imprensa, no interior da própria imprensa, ampliam as possibilidades de que ela reflita com mais justiça os clamores da sociedade.

É também por essas razões que tenho insistido: para um governo democrático, não há canal mais adequado para dialogar com a sociedade do que a instituição da imprensa. A publicidade pode até, excepcionalmente, aparecer como um recurso necessário – mas muito, muito excepcionalmente mesmo. Como regra, a comunicação cidadã deveria presidir toda a comunicação de governo.

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