sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A vida como ela é...

Certa vez, trabalhei em uma empresa. Foi lá que
>> fiquei conhecendo um rapaz chamado Mauro. Ele era grandalhão e gostava
>>> de fazer brincadeiras com os outros, sempre pregando pequenas peças.
>> Havia também o Ernani, que era um pouco mais velho que o resto do grupo.
>> Sempre quieto, inofensivo, à parte, Ernani costumava comer o seu lanche
>> sozinho, num canto da sala. Ele não participava das brincadeiras que
>> fazíamos após o almoço, sendo que, ao terminar a refeição, sempre
>> sentava sozinho debaixo de uma árvore mais distante.
>> Devido a esse seu comportamento, Ernani era o alvo natural das
>> brincadeiras e piadas do grupo. Ora ele encontrava um sapo na marmita,
>> ora um rato morto em seu chapéu.
>> E o que achávamos mais incrível é que ele sempre aceitava aquilo sem
>> ficar bravo.
>> Em um feriado prolongado, Mauro resolveu ir pescar no Pantanal.
>> Antes, nos prometeu que, se conseguisse sucesso, iria dar um pouco do
>> resultado da pesca para cada um de nós.
>> No seu retorno, ficamos todos muito animados quando vimos que ele havia
>> pescado alguns dourados enormes. Mauro, entretanto, levou-nos para um
>> canto e nos disse que tinha preparado uma boa peça para aplicar no
>> Ernani. Mauro dividira os
>> dourados, fazendo pacotes com uma boa porção para cada um de nós. Mas, a
>> peça programada era que ele havia separado os restos dos peixes num
>> pacote maior, à parte.
>> Vai ser muito engraçado quando o Ernani desembrulhar esse presente e
>> encontrar espinhas, peles e vísceras! disse-nos Mauro, que já estava se
>> divertindo com aquilo.
>> Mauro então distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um de nós,
>> que ia abrindo o seu pacote contendo uma bela porção de peixe, então
>> dizia:
>>
>> Obrigado!..
>> Mas o maior pacote de todos, ele deixou por último.
>> Era para o Ernani.
>> Todos nós já estávamos quase explodindo de vontade de rir, sendo que
>> Mauro exibia um ar especial, de grande satisfação. Como sempre, Ernani
>> estava sentado sozinho, no lado mais afastado da grande mesa. Mauro
>> então levou o pacote para perto
>> dele, e todos ficamos na expectativa do que estava para acontecer.
>> Ernani não era o tipo de muitas palavras. Ele falava tão pouco que,
>> muitas vezes, nem se percebia que ele estava por perto. Em três anos,
>> ele provavelmente não tinha dito nem cem palavras ao todo. Por isso, o
>> que aconteceu a seguir nos pegou
>> de surpresa.
>> Ele pegou o pacote firmemente nas mãos e o levantou devagar, com um
>> grande sorriso no rosto.
>> Foi então que notamos que seus olhos estavam brilhando. Por alguns
>> momentos, o seu pomo de Adão se moveu para cima e para baixo, até ele
>> conseguir controlar sua emoção.
>> Eu sabia que você não ia se esquecer de mim?, disse com a voz embargada.
>> Eu sabia, você é grandalhão e gosta de fazer brincadeiras, mas sempre
>> soube que você tem um bom coração?. Ele engoliu em seco novamente, e
>> continuou falando, dessa vez para todos nós:
>> Eu sei que não tenho sido muito participativo com vocês, mas nunca foi
>> por má intenção. Sabem...
>> Eu tenho cinco filhos em casa, e uma esposa inválida, que há quatro anos
>> está presa na cama.
>> E estou ciente de que ela nunca mais vai melhorar. Às vezes, quando ela
>> passa mal, eu tenho que ficar a noite inteira acordado, cuidando dela. E
>> a maior parte do meu salário tem sido para os seus médicos e os
>> remédios. As crianças fazem o que podem para ajudar, mas tem sido
>> difícil colocar comida para todos na mesa. Vocês talvez achem esquisito
>> que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto... Bem, é que eu fico
>> meio envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para
>> pôr no meu sanduíche. Ou, como hoje, eu tinha somente uma batata na
>> minha marmita.
>> Mas eu quero que saibam que essa porção de peixe representa, realmente,
>> muito para mim.
>> Provavelmente muito mais do que para qualquer um de vocês, porque hoje à
>> noite os meus filhos..., ele limpou as lágrimas dos olhos com as costas
>> das mãos. Hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente, depois de
>> alguns anos..." e ele começou a abrir o pacote...
>> Nós tínhamos estado prestando tanta atenção no Ernani, enquanto ele
>> falava, que nem havíamos notado a reação do Mauro. Mas agora, todos
>> percebemos a sua aflição quando ele saltou e tentou pegar o pacote
>> das mãos do Ernani. Mas era tarde demais. Ernani já tinha aberto e
>> pacote e estava, agora, examinando cada pedaço de espinha, cada porção
>> de pele e de
>> vísceras, levantando cada rabo de peixe.
>> Era para ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Todos nós ficamos
>> olhando para baixo. E a pior parte foi quando Ernani, tentando sorrir,
>> falou a mesma coisa que todos nós havíamos dito anteriormente:
>> Obrigado!".
>> Em silêncio, um a um, cada um dos colegas pegou o seu pacote e o
>> colocou na frente do Ernani, porque depois de muitos anos nós
>> havíamos, de repente, entendido quem era realmente o Ernani.
>> Uma semana depois, a esposa de Ernani faleceu. Cada um de nós,
>> daquele grupo, passou então a ajudar as cinco crianças. Graças ao
>> grande espírito de luta que elas possuíam, todas progrediram muito:
>> Carlinhos, o mais novo, tornou-se um importante médico.
>> Fernanda, Paula e Luisa montaram o seu próprio e bem-sucedido
>> negócio: elas produzem e vendem doces e salgados para padarias e
>> supermercados. O mais velho, Ernani Júnior, formou-se em Engenharia;
>> sendo que, hoje, é o Diretor Geral da mesma empresa em que eu, Ernani
>> e os nossos colegas trabalhávamos.
>> Mauro, hoje aposentado, continua fazendo brincadeiras; entretanto, são
>> de um tipo muito diferente:
>> Ele organizou nove grupos de voluntários que distribuem brinquedos
>> para crianças hospitalizadas e as entretêm com jogos, estórias e
>> outros divertimentos.
>> Às vezes, convivemos por muitos anos com uma pessoa, para só então
>> percebermos que mal a conhecemos.
>> Nunca lhe demos a devida atenção; não demonstramos qualquer interesse
>> pelas coisas dela; ignoramos as suas ansiedades ou os seus problemas.

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